Prof. Renato Las Casas (11 de dezembro de 2009)
A grande questão científica em 1609 era: -A Terra é o centro do universo ou apenas um planeta que juntamente com Mercúrio; Vênus; Marte; Júpiter e Saturno estão em órbita constante em torno do Sol? Essa dúvida talvez persistisse até hoje se não fosse o grande avanço tecnológico obtido por Galileo Galilei na fabricação de telescópios.
Em novembro de 1609 Galileo consumou um trabalho que por mais de dois meses tomou quase que integralmente o seu tempo. Nesse mês, Galileo terminou a construção de mais um telescópio (ou luneta). Era a terceira luneta construída por ele. Apresentava um aumento de quase 21 vezes; bem superior ao da sua segunda luneta cujo aumento era de apenas 8 vezes. Foi com esse instrumento que Galileo realizou as suas celebres observações do final de 1609 e início de 1610; observações essas que, por si só, praticamente confirmavam a teoria heliocêntrica.
Esse foi um dos momentos científicos mais expressivos da história da humanidade; que só se tornou possível devido ao grande salto tecnológico no polimento de lentes e na fabricação de telescópios, obtido por Galileo Galilei.
Podemos dizer que a tecnologia que resultou no telescópio das grandes descobertas teve início aproximadamente em 3.500 AC, quando os Fenícios, fazendo fogo sobre areia, descobriram o vidro. A primeira lente possivelmente surgiu em 424 AC. Nessa data, Aristóphanes usou uma esfera de vidro cheia de água para concentrar os raios solares sobre palha seca e fazer fogo. No século II de nossa era, Ptolomeu escreveu sobre as propriedades da luz: cores; reflexão e refração. As lentes de superfícies convexas (convergentes) foram desenvolvidas no século XIV e as lentes de superfícies côncavas (divergentes) no século XV. Antes da invenção do telescópio essas lentes eram usadas, quase que exclusivamente, para correção da visão de quem tinha hipermetropia (imagem focada atrás da retina; correção com lente convergente) e miopia (imagem focada antes da retina; correção com lente divergente).
É possível que a invenção do telescópio seja bem anterior ao século XVII. No século XIII, Robert Grosseteste descreve o uso de um instrumento para “... fazer coisas distantes parecerem do tamanho que se quiser, tal que possamos ler pequenas letras a distâncias incríveis.” Também no século XIII, Roger Bacon parece documentar o uso do que seria um telescópio bem rudimentar em seu tratado “Opus Majus”.
Em 1608 pequenas lunetas começaram a se popularizar pela Europa; principalmente entre expectadores de ópera.
Em 1655, Pierre Borel (físico de Louis XIV, Rei da França) publica o livro “O Verdadeiro Inventor do Telescópio” onde aponta Sacharias Janssen, óptico do norte da Holanda, como o verdadeiro inventor desse instrumento.
Galileo teria conhecido uma dessas lunetas em maio de 1609 e logo previu o seu grande potencial como arma de defesa e principalmente como instrumento científico. Galileo construiu seu primeiro telescópio durante julho e agosto daquele ano. Esse foi um instrumento muito simples, que não apresentava novidades aos telescópios já encontrados à venda nas grandes cidades européias. Na realidade, Galileo duplicou um instrumento que havia ganho, procurando entender tudo sobre aquele instrumento. O primeiro telescópio construído por Galileo apresentava aumento de três vezes. Imediatamente após a conclusão desse instrumento, Galileo deu início à construção de um aparelho “bem melhorado”. No dia 21 de agosto, na torre de São Marco em Veneza, Galileo apresentou, com grande sucesso, seu telescópio de oito vezes de aumento às autoridades locais.
O telescópio das célebres observações, para muitos o instrumento científico mais importante da história da humanidade, ficou pronto em novembro. Constituído basicamente por um tubo de 92,7 cm de comprimento com um “porta lente” em cada extremidade, apresenta aumento de quase 21 vezes. Era um instrumento luxuoso, coberto com couro vermelho (que com o tempo se tornou amarronzado) e todo desenhado com ouro. A rigidez do tubo é dada por pequenas ripas de madeira que se encaixam lado a lado e são apertadas pelo couro. A ocular original se perdeu e foi reposta no século XIX por uma (como acreditávamos ser a original) com os dois lados côncavos; 22 mm de diâmetro; 1,8 mm de espessura central e -47,5 mm de distância focal. Essa era uma lente divergente. Interessante notar que Galileo se manteve sempre fiel às oculares divergentes mesmo após Kepler em 1611 mostrar vantagens no uso de oculares convergentes. A objetiva original ainda existe (mesmo quebrada). Ela tem um lado plano e o outro convexo; 37 mm de diâmetro; 2,0 mm de espessura central e 980 mm de distância focal. Galileo a montou com o lado plano para dentro do tubo e com um anel de couro que permitia uma abertura efetiva de 15 mm.
O primeiro objeto celeste que Galileo observou com esse instrumento só poderia mesmo ser a nossa Lua. Galileo viu que a superfície lunar é muito irregular, marcada por inúmeras crateras e, semelhantemente à Terra, apresentando várias e várias montanhas.
Essa foi uma descoberta muito importante. Desde Aristóteles havia a crença de que “as coisas do céu são perfeitas”. A Lua sendo um objeto celeste deveria então ser uma esfera perfeita. Não era isso que Galileo via e que todos que tivessem acesso àquele instrumento, ou equivalentes, poderiam ver. Não apenas por coincidência, a maioria daqueles que acreditavam ser a Terra o centro do Universo também acreditavam nessa teoria da “perfeição celeste”. A primeira descoberta astronômica feita por Galileo através das lentes de seu telescópio já ia assim contra as teorias defendidas pela igreja.
As primeiras observações telescópicas que Galileo fez da Lua, possivelmente aconteceram na última semana de novembro. Entretanto, inicialmente, ele não estava preparado para registrar o que via. Na noite do dia 30 de novembro Galileo se equipou com papel, tinta e pincel e fez os dois primeiros esboços que você pode ver abaixo. Imagino que Galileo fez o primeiro esboço sobre o fundo branco do papel; não gostou do resultado, uma vez que vemos a Lua “sobre” o fundo escuro do céu, e fez então o esboço da direita. Durante dezembro Galileo acrescentou quatro novas imagens a essa folha (repare que em datas diferentes; uma vez que a Lua está em fases diferentes em cada um desses novos esboços).
Imagino a excitação de Galileo com suas descobertas. Ainda hoje é uma experiência fantástica observarmos o relevo lunar através de um telescópio. Mas a inteligência de um gênio jamais o deixaria apenas contemplar o que via. Em pouco tempo Galileo “bolou” um método para medir a altura das montanhas lunares através de medidas de suas sombras e tendo como ferramenta a trigonometria.
Galileo publicou essas suas observações, assim como o seu método de determinação da altura das montanhas lunares (e outras descobertas astronômicas que fez em seguida e que será um próximo “Assunto do Mês”) em março de 1610, na obra intitulada Siderius Nuncius (Mensageiro das Estrelas).